Fotos: Kelly Knevels
Desde o princípio, com uma voz ofegante ao microfone, temos a citação a Thomas, ou mesmo reverência assumida. Tal discípulo, Ruy Filho concebe um espetáculo estilhaçado em leituras, em camadas que passam pela música, pelas artes visuais, pela performance.
O pretexto de visitar a relação da vítima de tortura com seu algoz desdobra-se em outros textos. Esse miolo vem em ondas de violência e afeto, incongruências que vão aproximando os arquétipos em jogo. Tocar ou escutar o violoncelo, por exemplo, pode ser o principal elo. E seu maior paradoxo.
Há um fértil terreno onírico como ponto de fuga ou mesmo para referendar a opressão. Transcende-se a esfera individual até a superestrutura da sociedade, como no instante em que se expõe o círculo de homens em torno de um único cilindro de oxigênio, atávicos.
Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade cria uma profusão de imagens expressionistas sem fazer uso de ferramentas tecnológicas audiovisuais. Inevitável o paralelo com Thomas e seu domínio operístico da cena em grande escala, palco proporcional. Aqui, a via é a do despojamento com sofisticação conceitual, dos espaços não convencionais como o do Satyros, em São Paulo, onde a Antro Exposto atualmente está em cartaz, ou ainda num dos barracões do Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena também paulistana.
São imagens, antes, construídas por meio da ação física dos seis atores, dos objetos (como o aro de bicicleta a evocar Duchamp), dos corpos disformes (embates verbal e físico entre Diego Torraca e Guilherme Gorski em suas inversões de carrasco), do manequim sobressalente, das pilastras e das paredes da Casa Vermelha, do desenho de luz arrojado... Todos esses elementos são sublinhados com autonomia, mas só se traduzem quando em conjunto.
Exceção a um item: a música. Ela exacerba, descola-se do todo. Não está em xeque a trilha pulsante de autoria do diretor musical do lendário grupo norte-americano The Living Theatre, Patrick Grant, crucial para a proposta - ele esteve em São Paulo com os criadores brasileiros. Mas a encenação parece incorporá-la sem edição, sem respiro. Essa música dominante às vezes resulta transferência de sensação que afasta o espectador. A analogia com a tortura, afinal, não precisa ser ao pé da letra.
No mais, não se sai indiferente dessa ousada experiência cênica, dessa ilha de desordens que é Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade. Um espetáculo brutal, que acessa áreas subreptícias do mascaramento humano em suas banalizações do mal e do bem. Em última instância, à arte compete essa mediação.
Espetáculo: Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade
Diante de tamanha força, doação, talento, garra e coragem - que se somam à qualidade artística de todo o trabalho de cada componete do Cia Antro Exposto: impossível sair indiferente!!!
ResponderExcluirBravos, Bravos, Bravo!!!
Abraço Grande a todos,
Cacalo.