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domingo, 22 de março de 2009

Histórias de Chocar vasculha vida amorosa - por Valmir Santos

Entre as gerações de Rita Clemente e a de Paulo Azevedo há uma pororoca de artistas de Belo Horizonte, a cidade das alterosas sem mar, uma gente que tem dado o que falar nestes anos 2000 em incursões pelo Festival de Curitiba, vide Companhia Luna Lunera, Companhia Clara e Grupo Espanca! Por isso é especial reencontrar Clemente e Azevedo em Histórias de Chocar (Ensaios de Amor), e em plena Mostra, esta que cada vez mais acolhe experimentos como reflexo do Fringe.


A montagem dá margem à investigação colaborativa, ao essencialismo de cena, recorre a poucos elementos de apoio e deposita tudo nas mãos dos atores. O espetáculo é livremente inspirado em Ensaios de Amor, romance de Alain de Botton - com roteiro de Adélia Nicolete. A enésima história de uma relação com começo, meio e fim é representada e narrada sem patinar nos clichês românticos, expondo diretamente alguns pontos do quão difícil, divertido e dolorido pode ser protagonizar uma parceria afetiva.

Nas entrelinhas desse projeto, lemos remissão a Fragmentos de Um Discurso Amoroso, de Roland Barthes, adaptado para os palcos pela companhia de Antônio Fagundes na década de 1980. Ali, a semiologia espreita todos os estágios cumpridos pelos seres enamorados, como a angústia da espera nos primeiros encontros.

Aqui, acompanhamos as vicissitudes de Irene e Júlio, das suas horas de chegar até a de partir. Não por acaso, tudo começa num vôo comum em que as orientações/simulações em caso de urgência servem à metáfora do embarque a dois.

O espetáculo se ressente de uma introspecção nas marcações rígidas para o espaço cênico e para alguns gestos e movimentos. O que no início Clemente esboça como assento cômico, se esvai. Tanto formalismo não permite o envolvimento, a identificação com as desconstruções dessa mulher e desse homem.

Apesar da cor vermelha predominar na capa do livro, nos sapatos e na blusa dela, no envelope de um bilhete, mais morangos, framboesas, enfim, o tom da história não é aquecido. Júlio e Irene estão pouco desarmados, sem nuances diante da montanha russa de sentimentos e resoluções em que mergulham. A luz de Guilherme Bonfanti desenha espacialidades e temporalidades do que se narra. Os nichos de lâmpadas à esquerda e de abajures à direita, quem sabe, sugerem as diferenças de gênero, universos que se encontram mais são únicos - cohabitam.

Em uma das cenas, o recurso do microfone demarca suspensão pós-dramática que diminui ainda mais o envolvimento. Escancara-se uma tal ausência de intimidade entre os personagens que não contribui para a abordagem de um tema permeado pela subjetividade, e que interessa a todos os mortais pelo que instiga. É como se, no espetáculo, o corte seco não deixasse emergir justamente as afeições de um lado e de outro, o xis da questão; tudo fica na epiderme, quando podia ser movido também pelas entranhas - instância a que Clemente e Azevedo, por exemplo, chegaram em Amores Surdos (2006), ela como encenadora e ele como um dos atores do Espanca!.

Ao final, a necessidade de ressalvar uma conclusão, uma mensagem sintetizadora de tudo que foi dito naquela noite, supõe que algumas lacunas não foram preenchidas lá atrás. Como, aliás, ocorre na maioria dos casos de separação.

Espetáculo: Histórias de Choca (Ensaios de Amor)
Datas: hoje, dia 22, às 21h (última apresentação)
Local: SESC da Esquina






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