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sábado, 28 de março de 2009

Tennessee Williams, um poeta em flor encenado - Valmir Santos

Se vivo, Tennessee Williams faria 98 anos esta semana. Acaso ou sincronicidade, houve convergências para a obra do dramaturgo americano na Mostra e no Fringe: Esta Propriedade Está Condenada, trabalho em processo de Susana Ribeiro no projeto Autopeças, da Companhia dos Atores; Fala Comigo Como a Chuva, de Cynthia Paulino, de Belo Horizonte; e O Zoológico de Vidro, de Ulysses Cruz, São Paulo. Esta última peça, mais conhecida pelo título À Margem da Vida, encontra correspondente no Fringe com uma recriação que promove interface biográfica sem prejuízo da escrita arrebatadora do autor: é Rosa de Vidro, com sessões hoje e amanhã.
Fotos: Henrique Araujo/Clix

O espetáculo paulistano é assinado por Ruy Cortez, cuidadoso na construção poética do que leva à cena sem subestimar a presença do ator. Há pouco mais de dois anos, por exemplo, ele dirigiu Cleyde Yáconis em A Louca de Chaillot, de Jean Giraudoux, texto que também adaptou.

Em Rosa de Vidro, o desafio é conduzir um elenco jovem à beira do abismo a que a obra de Williams não raras vezes empurra seus personagens, seres alquebrados, resignados. Como Rose, a irmã lobotomizada a quem o escritor fiava-se para transcender à misérias espiritual e material na família, a atriz Julia Bobrow encerra sutileza e estranhamento nas franjas da esquizofrenia. Convence o olhar perdido, o gestual retraído, a lividez do rosto, a liberdade esfuziante na suspensão da realidade ao deixar-se levar pelo breve encantamento amoroso.

Rose mobiliza a todos, o irmão (interpretado por José Geraldo Rodrigues, que estreou aqui como substituto de Tales Penteado), a mãe (Gilda Nomacce) e o amigo do irmão, Ricardo Gelli. A mãe castradora de Nomacce comporta histerismo e humorismo em sua retidão física descompensada da falta de caráter com a qual tenta livrar-se dos filhos.
Gelli, como o “estrangeiro” na mesa de jantar, aflora sensibilidades e desafetos com seu tipo bronco por meio do qual a platéia vislumbra as fantasias e desejos em jogo. Rodrigues tateia momentos angelicais e assertivos do irmão/escritor, mas ainda lhe falta atingir a densidade presencial desse poeta em flor.


E aqui chegamos à conversa dramatúrgica que João Fábio Cabral estabelece com Tennessee Williams. A adaptação/recriação preserva a estrutura de À Margem da Vida e valoriza a história de vida do autor. Os excertos equilibram-se de tal forma que o espectador percebe o terceiro olho de Williams em meio aos personagens que ele mesmo criou. É o caso do solilóquio do irmão antes do jantar, em que confessa ao amigo (de quem se enamora mas não é correspondido) que vai abandonar a cidade para ir atrás do sonho de ser escritor, de fazer a vida como artista.

A encenação de Cortez valoriza a forma de contar essa história. A começar pela atenção aos atores em seus tempos dentro da engrenagem narrativa. Luz e cenografia (eficiente o lençol inteiriço de dupla face que indica a mudança de território) são melhores resolvidos na representação simbolista. Em certos momentos, a música parece forçar atmosferas já demasiado emotivas.
Rosa de Vidro é um convite ao espectador para encontrar-se com Tennessee Williams, o homem e o artista, vagando no interior de uma das suas peças mais importantes. Um bom desfecho para o Festival que tanto o acolheu este ano.


Espetáculo: Rosa de Vidro
Data: hoje, dia 28, às 12h, e amanhã, dia 29, às 21h
Local: Casa Vermelha

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