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quarta-feira, 25 de março de 2009

CiaSenhas expõe artifício das relações - por Valmir Santos

No princípio, é o umbigo. E com ele o sopro vital. Essa imagem é construída de forma lúdica pelo quarteto de atores no início de Delicadas Embalagens, criação da CiaSenhas de Teatro. O espetáculo dá à luz uma família disfuncional, mulher, marido, duas filhas adolescentes. Você já deve ter ouvido, lido ou visto essa história, mas não da maneira como ela é contada e jogada nos conformes artificiais do mundo lá fora, as insensibilidades cotidianas. E o faz usando a própria condição de artefato do “presentar” ou do narrar.



Foto: Elenize Dezgeniski

A configuração da casa é resumida à grama sintética 100% polietileno, o jardim com sua piscina inflável, um tapetinho, uma esteira, uma caixa de isopor, um baleiro. É nesse cenário de plástico que o pai orgulha-se de ter uma “família de verdade”, uma filha engasga com uma bala Soft e a mãe se mata na hora de cortar a carne na cozinha.

O nonsense com que essas figuras arquetípicas agem sobre si e sobre os seus faz lembrar a desarrumação familiar em torno de uma piscina imunda para a qual ninguém se lixa em Pântano, filme de estreia da diretora argentina Lucrecia Martel, no início da década.

Na peça, pai e filhas demonstram uma reação amorfa após o enterro da mãe/mulher. Mal voltam ao lar, um telefonema traz a possibilidade de ganhar um prêmio e todos são mobilizados pelo sonho material em desesperada tentativa inconsciente de preencher o vazio. Nem a tragédia parece mais resignar na contemporaneidade. Mas “pode ser que nem tudo seja coisa”, “pode ser que possamos recomeçar”, balbuciam diante do ocaso.

Anne Celli, Greice Barros, Luiz Bertazzo e Patricia Saravy são jovens atores, estão na casa dos 20 anos, alguns já têm filhos. O espetáculo tangencia a infância, mas concentra-se na vida adulta que, hoje, equivale a numa sociedade cada vez mais domesticada e pouco gregária, mesmo entre pais e filhos. Delicadas Embalagens divisa, assim, o que somos/fomos e o que podemos ser.

Ao tomar partido do que é artifício no teatro, a diretora Sueli Araújo põe em segundo plano o nexo dramático e tenta envolver o espectador num caminho mais instigante para apresentar com outros olhos aquilo que lhe é familiar.

Em seu esforço de estruturar o universo de pelúcia, no entanto, Delicadas Embalagens gera, no conjunto, a sensação de um espetáculo “fofo”. A ênfase nas balas, no baleiro, na canção saltitante de Zeca Baleiro, em certos beicinhos em cena, o afã de flagrar o espírito infanto-juvenil dos seres, são contextos que conspiram para uma “doce vida” e desviam da crítica implícita no trabalho, tornando-se refém de seu objeto.

A intervenção de Araújo ao microfone, a lembrar as raias do roteiro criado em colaboração, ou mesmo o recurso da distorção de vozes em uma passagem ou outra, são estratégias de distanciamento que não vencem a forte distensão das figuras no centro da cena em sua inércia profunda - talvez um reflexo desejado pela montagem.

Delicadas Embalagens plasma inquietudes em suas soluções e tragicomicidades. A CiaSenhas não concebe o teatro que não em relação. Parece óbvio, mas é premissa que a distingue em dez anos de pesquisa, inclusive ao juntar-se aos pares de Curitiba em torno do Movimento de Teatro de Grupo. Não disfarça a fome de falar ao outro. Seus espetáculos equilibram-se no arame farpado do intimismo em tempos de rasgada exposição, custe o que custar. Investiga as dobras da existência e dá o espelho que jamais revela o óbvio.

Espetáculo: Delicadas Embalagens
Data: hoje, às 21h (última apresentação)
Loca: Solar do Barão

2 comentários:

  1. Infelizmente é bem no horário de Maria Stuart...

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  2. FAZ TEMPO QUE ADMIRO O TRABALHO DESTA COMPANHIA.
    ESTÃO DE PARABÉNS, O ENREDO ME DEIXOU AMARRADO DURANTE TODO O ESPETÁCULO.

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