O ator Fernando Alves Pinto sofreu uma queda de bicicleta em 1996, ficou uma semana em coma, recobrou a consciência, mas a memória foi embora para só retornar lenta e parcialmente aos poucos, meses a fio, como declarou em entrevista recente à Folha de S. Paulo. Esse dado torna mais especial sua condição de protagonista em A Mulher Que Ri, sobre um escritor às voltas com uma espécie de palimpsesto biográfico cujo texto primitivo foi raspado e, a cada camada, surgem outros registros enganchados às paredes das lembranças.
Fotos: Henrique Araujo
A origem da dramaturgia é o conto Sete Krajcár (moedas), do húngaro Móricz Zsigmond (1879-1942), obra publicada no início do século XX e livremente adaptada por Paulo Santoro, autor projetado em São Paulo no CPT de Antunes Filho com O Canto de Gregório, encenado pelo próprio. Alves Pinto vive o escritor desmemoriado, ávido em recompor o passado de austeridade e pobreza ao lado do pai e da mãe, quando era diminuta a brecha para dar asas ao sonho de tornar-se escritor. Logo no início, um boneco preso às costas do ator projeta-o para as lembranças que são reconstituídas com o próprio narrador/escritor/filho em contato direto com a humorada mulher e mãe que o marcou profundamente e que jamais perdera o sorriso diante das agruras.
Não se trata de enquadrar mais uma relação edipiana; transcende-a aspectos morais, sociais e históricos, para não dizer do ato da escrita. Um indivíduo com bloquinho em punho atira-se à caça de palavras, verbos e objetos que, espera, os ajudem a recompor o ambiente familiar de tez dostoievskiana: sua máquina do tempo é a palavra.
Diretora que tem no desenho do espaço cênico um fator preponderante (vide montagens com o Grupo 3 de Teatro, como A Serpente e O Continente Negro), Yara de Novaes dispõe de um texto generoso em superposições de tempo e espaço. A parceria com o cenógrafo André Cortez é mimetizada num cubo de paredes transparentes, disposto no centro do palco, cercado por um piso de taco equivalente ao caminho percorrido pelo filho para reavivar momentos e rostos desbotados naquela casa/lugar recôndito.
Ao rigor formal que também alcança a criação musical (por Morris Picciotto) e o desenho de luz (por Fabio Retti), A Mulher Que Ri convoca o espectador a um papel ativo. Há uma boa história por ser contada, mas seu caminho não passa pelo mais do mesmo. Os horizontes são outros, estão às nossas costas, um rasto atrás.
Os intérpretes transmitem coesão e entrega na composição e na defesa de seus personagens. Eloisa Elena, como a Mãe; Plínio Soares, como o Pai; e Alves Pinto, o Filho, são guardiões de um projeto que também faz prospectar a história de cada um que o assiste. Isso não é pouco.
Espetáculo: A Mulher Que Ri
Datas: hoje, às 21h (última apresentação)
Local: SESC da Esquina
Os intérpretes transmitem coesão e entrega na composição e na defesa de seus personagens. Eloisa Elena, como a Mãe; Plínio Soares, como o Pai; e Alves Pinto, o Filho, são guardiões de um projeto que também faz prospectar a história de cada um que o assiste. Isso não é pouco.
Espetáculo: A Mulher Que Ri
Datas: hoje, às 21h (última apresentação)
Local: SESC da Esquina
Veja a matéria sobre a peça no Festival TV
GOSTEI DA DICA!
ResponderExcluirFernanda
também gostei. bom saber um pouco mais afundo sobre a peça.
ResponderExcluirtem como comprar ingresos lá no sesc mesmo?
ResponderExcluirAINDA BEM QUE CONSEGUI ASSISTIR A ULTIMA APRESENTAÇÃO.
ResponderExcluirBOA ADAPTAÇÃO.
Que beleza!
ResponderExcluirMARAVILHOSA!!!
ResponderExcluirCenário simples,um espetacular trabalho de luz.....
ResponderExcluirSimplicidade e beleza,maravilhoso!!!
achei maravilhosa!!! a melhor coisa do festival,afinal é teatro que toca e que ao mesmo tempo tem pesquisa.
ResponderExcluironde posso assistir?
ResponderExcluiradorei aquela mãe. simples e bom.simples e elaborado.
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