Voltar para o site do Festival

sexta-feira, 20 de março de 2009

Solo inscreve sentimentos de Angola - por Valmir Santos

Angolana radicada no Brasil desde os 9 anos, a atriz Heloisa Jorge fala de seu país no solo Amêsa. O texto é do também conterrâneo José Mena Abrantes, jornalista e autor que, por coincidência, pousará no Fringe a partir de domingo, vindo de Luanda com o seu Grupo Elinga Teatro de Angola, fundado em 1988. Vem dirigir outra peça sua, Kimpa Vita, a Profetisa Ardente.




Mas começamos por Amêsa, espetáculo da Companhia de Teatro Gente, de Salvador, à qual Heloísa pertence e é dirigida por Suelma Costa. Entramos no teatro e a atriz surge sobre uma mesa de madeira, de costas para o público. Concebida por Everton Machado, a luz projetada no dorso e na cabeça, envolta em lenço, desenha uma máscara. A atriz entoa uma canção de lamento, de saudade, enquanto gira o rosto para o público, lentamente. A voz grave, altíssona, irradia ainda mais dolência. Prenúncio da história a ser contada.

O texto de Abrantes, de título original Amêsa ou a Canção do Desespero (1991), transpõe para o corpo e a alma da personagem uma cartografia sentimental de Angola, os conflitos sociais e políticos, o processo de luta pela independência da colonização portuguesa, nos anos 1960 e 1970, e a guerra civil (1976-1991).

Mas o documento da história, neste caso, vem à luz na epiderme da personagem título, Amêsa. O texto soa como versos, musicalidade delineada por repetição de frases, de palavras. Os recursos vocal e corporal sustentam-se com a técnica da intérprete. Há o olhar compositor da diretora, que ainda concebe a cenografia: a mesa de madeira quadrada e o piso forrado de folhas e uma rosa vermelha, oscilando o continente e o mar, o chão e a suspensão.

Amêsa, a mulher explorada, que perde o filho e muitos outros direitos, evolui do “silêncio dentro das pessoas, silêncio dentro de mim” para o “nós que havíamos dentro do meu eu”. É a partir da trajetória pessoal dela que vislumbramos as dores e esperanças de uma nação, um exercício de fundo antropológico.

Dança e teatro entrecruzam-se o tempo inteiro. Na cena em que narra a perda do filho, que lhe foi arrancado, a personagem fica de ponta cabeça, sob a mesa, dependurada pelos pés. Desliza aos poucos até o chão, recolhendo-se em posição fetal.

Não são poucos os achados do espetáculo em sua alusão à cultura angolana, de maneira alguma visitada com exotismo. A ação física ondulante, a valorização do silêncio, a sensualidade latente, os desejos e as frustrações que a vida é.

Essa consistência de base (a energia da atriz, a ocupação do espaço) é bastante prejudicada por um dos itens mais caros àquela cultura: a música. A sonoplastia soa dispersiva em muitos momentos, destoando da atmosfera erguido em cena.

O que é potência pura na voz de Helena e na escrita de Abrantes, cai por água na intromissão excessiva da música mecânica. Ela é poderosa por si e desviante na maioria das vezes (a tônica é do cantor e compositor angolano Wiza). Isso é curioso porque o trabalho valoriza conscientemente o silêncio, assumindo-o em cerca de um minuto em outra passagem, por exemplo. Mas o descompasso de sonoridades parece causar principalmente a perda de parte do público logo na metade da viagem. Não que se levante e vá embora, mas se desliga. E dificilmente reata com a densidade do ritual em jogo.

Aliás, conduzir Amêsa até o final da sessão já constitui vitória e tanta para a Companhia Teatro da Gente diante da péssima acústica da Sala Londrina, no Memorial.

Espetáculo: Amêsa
Data: hoje, dia 20, às 18h; sábado, dia 21, às 21h; dia 26, às 15h; dia 27, às 18h; dia 28, às 21h; e dia 29, às 12h.
Local: Sala Londrina, Memorial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário